ONU deplora uso da água como arma de guerra
27/05/2014
A Organização das Nações Unidas (ONU), que
tenta resolver a escassez hídrica no mundo em desenvolvimento, enfrenta um novo
problema: a privação de água como arma de guerra em zonas de conflito. Os
últimos casos estão na África e no Oriente Médio: Botswana, Egito, Iraque e
Israel, que corta o serviço para os territórios palestinos que ocupa.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon,
expressou sua preocupação na semana passada, após denúncias de que grupos
armados cortaram o fornecimento de água à assediada cidade síria de Alepo e
deixaram 2,5 milhões de pessoas sem água potável nem saneamento durante oito
dias. “Deixar as pessoas sem água potável é violação de um direito humano
fundamental”, lertou Ban. “Pôr a população civil como alvo e negar-lhe
fornecimentos essenciais é uma clara violação dos direitos humanos e do direito
humanitário internacional”, acrescentou.
Nos três anos que dura a guerra civil na
Síria, todas as partes em conflito, inclusive o governo do presidente Bashar al
Assad e o leque de grupos rebeldes que tentam derrubá-lo, dificultam o acesso à
água como arma de guerra. O conflito sírio já deixou 150 mil mortos e quase
nove milhões de refugiados.
As violações do direito humanitário
internacional incluem torturas e privação de alimentos e água.
Maude Barlow, representante do Conselho de
Canadenses e da organização Food and Water Watch, disse à IPS que cada vez se
usa mais os cortes deliberados de água como estratégia bélica. Durante o
confronto entre Irã e Iraque, na década de 1980, as Marismas da Mesopotâmia
foram drenadas. O então presidente iraquiano, Saddam Hussein (1937-2006)
continuou secando-as durante as represálias dos anos 1990 contra os xiitas que
se escondiam nessa região e contra os árabes das marismas que os protegiam,
acrescentou.
No Egito, a privação da água e seu desvio para
a população rica foi um dos principais fatores da Primavera Árabe, ressaltou
Barlow, assessora para temas de água do presidente da Assembleia Geral da ONU
entre 2008 e 2009. Milhares de pessoas ficaram sem água potável e os “protestos
pela sede” foram um dos catalisadores do levante.
Mais de quatro décadas de ocupação israelense
nos territórios palestinos tornam impossível construir ou manter a rede de água
potável em Gaza, o que, por sua vez, contamina as fontes de água potável e
causa a morte de muitas pessoas, destacou a especialista. Barlow também citou o
caso de Botswana, que usou a água como arma de guerra contra os bosquímanos
para obrigá-los a abandonar o deserto do Kalahari, onde foram encontrados
diamantes. Em 2002, o governo proibiu os bosquímanos de terem acesso à sua
única fonte de água, uma ação terrível que foi anulada anos depois por um
tribunal de apelações, detalhou.
Anand Grover e Catarina de Albuquerque, dois
especialistas em água e saneamento da ONU, disseram na semana passada que a
falta de fornecimento hídrico, mesmo em contextos bélicos, é totalmente
inaceitável. A cidade síria de Alepo teve um serviço intermitente desde maio de
2014, e um corte total no dia 10 deste mês que deixou muitas pessoas,
possivelmente um milhão, sem água nem saneamento, afirmaram os dois
especialistas. O problema afetou famílias, mas também hospitais e centros de
saúde, ressaltaram.
Os cortes obedecem a uma interferência
deliberada, mas as acusações mútuas dos grupos rebeldes armados e do governo
sírio dão a entender que as duas partes tiveram responsabilidade em graus
diferentes em momentos distintos. Barlow afirmou que a participação do governo
de Assad nos cortes do serviço é coerente com seus antecedentes de usar a água
para castigar seus inimigos e favorecer os amigos.
Em 2000, o regime sírio desregulamentou a posse da terra e cedeu vastos territórios e água aos seus aliados, endinheirados, o que reduziu as reservas e deslocou quase um milhão de pequenos agricultores e pastores de suas terras, recordou Barlow. O irônico e trágico é que as pessoas se assentaram em Alepo, onde novamente sofrem escassez de água, acrescentou.
Barlow também
se referiu ao problema quando se usa a água na “guerra de classes”. Na cidade
norte-americana de Detroit, no Estado de Michigan, foi cortado o serviço de
água de vários milhares de pessoas que não podiam pagar sua conta. E não faz
muito tempo o mesmo ocorreu na Bulgária, Espanha e Grécia, devido às medidas de
austeridade adotadas nesses países europeus. “O uso da água como arma de guerra
é um argumento sólido para que os governos e a ONU tornem realidade o direito
humano à água e ao saneamento, sem importar que haja outros conflitos”,
insistiu.
Desde 1990,
quase dois bilhões de pessoas tiveram acesso à infraestrutura de saneamento e
2,3 bilhões têm água potável graças a fontes melhoradas, segundo informe da ONU
divulgado na semana passada. Este documento, elaborado pelo Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), diz
que dessa população cerca de 1,6 bilhão de pessoas agora têm água encanada em
suas casas.
Segundo o
informe, mais da metade da população mundial vive em cidades, e as áreas
urbanas continuam tendo um fornecimento melhor de água e saneamento do que as
rurais. “Mas a brecha diminui”, afirma o documento. Em 1990, mais de 76% dos
moradores das cidades tinham saneamento, mas eram somente 28% entre os das
áreas rurais. Em 2012, a proporção passou para 80% contra 47%, respectivamente.
“Apesar dos avanços, ainda há desigualdades geográficas, socioculturais e
econômicas no acesso à água potável e ao saneamento no mundo”, alerta o informe
da ONU. Envolverde/IPS
Inter Press
Service – Reportagens - por Thalif Deen
Foto: Khaled Moussa al-Omrani/IPS
Foto: Khaled Moussa al-Omrani/IPS
Fonte:
http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/onu-deplora-uso-da-agua-como-arma-de-guerra/
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